Marco
Antônio Rafael de Souza conta como era a casa e a vizinhança do outro lado da
Ilha, em Castelhanos. De lá, mudou-se com a família para o lado de dentro, onde
cresceu e estudou. Marco conta como era fazer seus próprios brinquedos — e o
dos amigos também.
Das miniaturas, passou a ajudar o pai no trabalho de carpintaria náutica com os
barcos grandes, de verdade. De ajudante, passou a comandar sozinho às reformas
até o desafio de construir um primeiro barco do zero. Marco conta como foi
vê-lo navegar! Com a responsabilidade aprendida pelo pai, deseja deixar esse
mesmo legado aos seus filhos — bem como também deseja passar
adiante a tradição cultural da carpintaria náutica.
Marco
Antônio Rafael de Souza; nasci aqui na Ilha em 23 de março de 1965. Meus pais
são daqui mesmo, atrás da Ilha, de Castelhanos, né, eram de lá. Eu
nasci lá também. Meus pais trabalhavam na roça, pescavam e cuidavam da
vida, da família, normalmente.
[Minha casa] Era bem simples, era de pau a pique, o chão era batido, terra, era
coberta com sapê, bem simples. [Lá, a] cada 100 metros tinha uma casa, né?
Cada um tinha assim, alguma coisa em torno, plantações, criação, né? Como a
gente tinha que ir à roça, a gente tinha que pegar cedo, ir para
a roça, tinha que pescar, tudo para poder se manter, entendeu? Tinha que
pescar, ia capinar mandioca, capinar feijão, desde criança, entendeu?
A pesca era a melhor parte, na verdade, porque era mais divertida, a pesca de
rede, de cerco, né, pescava em cima da costeira, era a melhor parte.
Ah! Brincar [era] mesmo assim: jogava pião, brincava de barco no riozinho que
tinha lá, é isso. A gente mesmo que fazia. Você tem que ter a
madeira, com uma faca, alguma coisa, vai esculpindo e faz. Os meus pais, os
meus tios sempre faziam [trabalhavam com madeira] e a gente ficava
olhando e aprendendo. Antigamente, lá onde a gente morava, em
Castelhanos, eles faziam muito remo, canoas, faziam reformas,
então, a gente ficava vendo. E aprendeu através disso, né?
Minha casa acho que era a uns 100 metros da praia, então a gente tava
todos os dias na praia, mesmo se não fosse trabalhando, estava lá
passeando… Sei lá, alguma coisa estava fazendo na praia. Os meus pais venderam
lá porque eles queriam que a gente melhorasse de vida, um pouco,
né? E aí, venderam e a gente veio pra cá. Meu pai
comprou aqui essa área e tá aqui até hoje.
Meu pai já fazia carpintaria, então aqui tinha mais serviço para ele. Ele
continuou trabalhando de carpinteiro. Ele fazia de tudo um pouco, fazia barcos,
canoas, fazia telhados. Com um pouco mais de idade, comecei a
trabalhar para ajudar. É isso, mas sempre na mesma arte, pescando, ajudando o
meu pai na carpintaria, entendeu? Com o meu pai, eu ajudava ele, fazia tudo que
ele pedia para eu ajudar, eu ajudava, né? Então, telhado, os barcos, né, o
que eu me lembro é isso.
A carpintaria, é uma atividade que você sempre tá aprendendo. Acho
que fazer barcos, assim, foi difícil no começo, mas a gente tá aprendendo
cada vez mais. O mais difícil foi o primeiro serviço, o primeiro barco
que eu peguei pra reformar, que o meu pai falou assim: “Vai
reformar esse barco”, aí eu fui, foi o mais difícil, porque eu saí de
ajudante para seguir a profissão, sozinho, então foi mais difícil. Como
era reforma, tinha que trocar a madeira do barco e é super difícil. Então aí, no
começo, sofri. Mas agora é tranquilo.
Com o primeiro barco, assim, a gente fica com aquele medo, né? Vai
que não dá certo, né? Mas é legal, você se sente realizado, você fez
um serviço que funcionou, um trabalho que funcionou. Funcionou legal, só
que é assim, a gente vai aperfeiçoando, né, os próximos ficaram
melhores, né? Com certeza. A finalização é a pior parte, os detalhes são a
pior parte. Toma tempo, tem que estar… Na verdade, é o que vai aparecer,
né?
Eu sou apaixonado por trabalhar com madeira, com barco, né? Eu poderia
estar fazendo outra coisa, mas realmente, barco é tudo o que eu gosto de
fazer. Trabalhar com madeira… Na verdade, assim, eu não consigo explicar, mas é muito
simples, só que você tem que gostar, você tem que ter o dom, um pouco do dom,
mas é bem simples, não tem muita dificuldade
[Entregar um barco todo reformado para aquele pescador que estava precisando:] Primeiro
que é uma responsabilidade grande, um barco assim, uma reforma vai
levar vidas lá, então tem que ser um negócio bem feito, né, mas é muito bom
porque o cara que recebe a reforma, ele fica contente,
entendeu? A gente sabe que é a ferramenta de trabalho do cara, o
cara agradece muito a gente. A gente fica na torcida que dê tudo
certo, né?
Ser carpinteiro, eu não sei nem te falar, é uma coisa muito gostosa de fazer,
uma coisa legal de fazer e assim, se alguém fosse
tentar fazer, tentar fazer com responsabilidade, com
carinho, entendeu? Sabendo que é para o mar, tem que saber respeitar o mar.
Fazer pensando que vi estar lavando vidas para o mar e tem que respeitar muito
o mar.
A gente tenta passar para o pessoal que quer aprender, tipo, meu filho,
por exemplo, meus sobrinhos, a maneira que faz, entendeu? E tenta
passar que tem que ter essa responsabilidade e realmente, o pessoal aprende
porque tá ali todo dia, tem o dom e vai aprendendo.